Conscientizar para salvar

Publicado na Gazeta do Povo em 02/10/2012.

No fim do mês passado, a Semana Nacional de Doação de Órgãos tentou, mais uma vez, trazer esse tema para uma posição de destaque na mídia e estimular a discussão na sociedade. Mas ela também serviu para mostrar todos os desafios que ainda temos diante de nós para conscientizar a população sobre a importância da doação. A evolução da medicina permite que muitas doenças sejam tratadas com medicamentos ou cirurgias que estão à pronta disposição de quem está precisando, mas essa realidade não se aplica para quem precisa de um transplante.

A lista de distribuição de órgãos para transplante em nosso país é dividida por estados, sendo cada membro da federação responsável pela organização e fiscalização das atividades transplantadoras. Nosso estado, em 2007, tinha uma taxa de doadores efetivos de 7,6 por milhão de população (pmp), número que havia subido para 13 pmp no primeiro trimestre deste ano. Apesar da melhora, ainda mantemos uma fraca nona posição entre os demais estados da federação.

Apontar os fatores envolvidos nesses números não é tarefa simples. A engrenagem de eventos que envolve o processo doação-transplante é complexa e multifatorial, não obstante passível de intervenções. O início do processo se dá com o diagnóstico da morte encefálica, com a capacitação dos profissionais envolvidos e a conscientização das instituições hospitalares da importância da manutenção e atuação efetiva das comissões intra-hospitalares exigidas por lei. Doadores em morte encefálica são a maior fonte de órgãos para transplante. Esta é uma situação irreversível, cujo diagnóstico necessita de uma série de exames determinados em lei e que, após a autorização familiar, é capaz de salvar ou auxiliar a vida de até oito pessoas.

Uma miríade de fatores influencia a decisão da família de autorizar ou não a remoção dos órgãos – alguns deles são reais, como a insatisfação com o serviço de saúde prestado ao seu ente querido; outros são fantasiosos, como o medo de tráfico, distribuição injusta, mercado negro de órgãos; e alguns são míticos, como mutilação do corpo do doador, proibições religiosas e reversibilidade da morte encefálica. Essa negativa familiar é responsável por aproximadamente 45% da não efetivação da doação de órgãos.

O transplante de órgãos e tecidos é um dos grandes avanços da medicina moderna, sendo atualmente considerado um tratamento eficaz para um grande número de doenças. Deixou de ser algo de ficção científica e ocorre frequentemente, aqui, nos hospitais de nosso estado. Assim sendo, seria razoável supor que deveria estar disponível para quem dele precisasse, mas infelizmente essa não é a nossa realidade.

A mudança dessa situação somente ocorre com os esforços em conjunto da sociedade civil organizada, do governo e da imprensa, como propulsores dos esforços de conscientização. Gostaríamos de conscientizar a sociedade de que há pessoas que necessitam de transplantes, e em sua maioria esta é a única possibilidade de tratamento. Devemos procurar conscientizar as entidades de classe (médicos, enfermeiros, assistentes sociais, administradores hospitalares) de que um treinamento é necessário para o efetivo funcionamento da engrenagem. Temos de cobrar do governo atitudes que devem ser continuamente tomadas para aumentar o número de doadores. E, finalmente, precisamos conscientizar as famílias de potenciais doadores da importância da autorização da doação de órgãos. Em suma, conscientizar é a palavra em voga.

Fábio Silveira, cirurgião do aparelho digestivo, é mem­bro fundador do Instituto para Cuidado do Fígado (ICF).

https://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conscientizar-para-salvar-1nl95bw0ujfhg64ldks18j03y/

 

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