O Acinetobacter baumanni é considerado o patógeno relacionado à assistência em saúde por excelência, integrante da lista da OMS dos patógenos que ameaçam a saúde global(1). Seu mecanismo de resistência mais comum é relacionado a expressão da b-lactamase de classe D.
No período entre outubro de 2020 e dezembro de 2021 nos transplantes hepáticos (n=28), observamos 8 isolamentos de Acinetobacter, sendo 7 de A. baumannii e 1 de A. species. Dessa forma, o isolamento de A. baumanni resistente à carbapenêmico ocorreu em 21,4% dos transplantados.
O foco em sua maioria (n=5) foi de origem pulmonar (57,1%), sendo os restantes de isolamento urinário, ascite e retal. No único isolamento de A. species, o germe não era resistente a carbapenêmico.
Todos os 7 casos isolados de A. baumanni eram resistentes a carbapenêmico (CRAB) e foram isolados em 6 pacientes diferentes (um caso de reinfecção).
No mais recente guideline europeu – ESCMID(2) – quando das pneumonias associadas à ventilação mecânica causadas por CRAB e suscetíveis à ampicilina-sulbactam, seu uso é recomendado. Em nossas amostras, a suscetibilidade à ampicilina foi testada uma vez, sendo encontrada resistência.
Nos casos de CRAB resistentes à amipicilina-sulbactam, inexistem evidências científicas robustas, e na ausência delas pode-se utilizar polimixina ou tigeciclina em alta dose(2).
A ESCMID não recomenda a utilização de terapia combinada polimixina/meropenem para todos os pacientes, sendo que a combinação terapêutica para CRAB em indivíduos graves pode ser escolhida entre 2 antibióticos com atividade in vitro (polimixina, aminoglicosídeo, tigeciclina, combinações do sulbactam)(2).
Nos casos de suscetibilidade ao meropenem com MIC<8 mg/L, deve-se considerar seu uso combinado na forma de infusão contínua em alta dose(2). Em nossa casuística os CRAB possuíam MIC>8 em todos eles, sendo em um deles >32.
Já os guidelines da Sociedade Americana de Transplantes (AST) consideram o uso combinado de polimixina/meropenem(3). Em relação à tigeciclina apontam para o uso em infecções intra-abdominais ou de partes moles. Em nossa casuística a maior parte tem origem pulmonar (57,1%).
Regimes com alta dose de sulbactam (>9g/dia; ajustada pelo clerance) podem ser superiores a regimes sem sulbactam(3). A suscetibilidade ao sulbactam é considerada na maioria dos estudos quando o isolado possuiu MIC≤8/4 mg/L(2). Lembramos que o Unasyn® se constitui de sulbactam 1g/ampicilina 2g.
Essa discordância da ESCMID e AST em relação ao uso combinado é decorrente da heterogeneidade das evidências de estudos clínicos. A associação com meropenem é tida como indutora de resistência, já que nas recidivas os MICS são maiores e que revisões sistemáticas não observaram influência na mortalidade. Enfim, é uma zona cinzenta não resolvida.
Esses 6 pacientes tiveram o primeiro diagnóstico por cultura com A. baumanni em média 43,1 dias após o transplante (menor 22 e maior 75 dias). Somente um sobreviveu (83,3% mortalidade), bastante compatível com alta mortalidade relatada na literatura(3). Um diagnóstico em média de 43 dias de internamento hospitalar denota gravidade desses pacientes, que necessitaram internamentos prolongados.
Com alta mortalidade e limitadas opções terapêuticas, como atestado pelo OMS, resta a prevenção. A prevenção a infecção por CRAB é aderência as práticas de stewardship e controle de infecção, com higienização de mãos como papel ímpar no impedimento das transmissões horizontais e de equipamentos e/ou fômites.
Referências bibliográficas.
WHO publishes list of bacteria for which new antibiotics are urgently needed [press release]. 2017.
Paul M, Carrara E, Retamar P, Tangden T, Bitterman R, Bonomo RA, et al. European Society of clinical microbiology and infectious diseases (ESCMID) guidelines for the treatment of infections caused by Multidrug-resistant Gram-negative bacilli (endorsed by ESICM -European Society of intensive care Medicine). Clin Microbiol Infect. 2021.
Pouch SM, Patel G, Practice ASTIDCo. Multidrug-resistant Gram-negative bacterial infections in solid organ transplant recipients-Guidelines from the American Society of Transplantation Infectious Diseases Community of Practice. Clin Transplant. 2019;33(9):e13594.